domingo, 28 de agosto de 2011

Fogueira das vaidades

Aqui há dias fomos jantar... local conceituado por excelência, com estrelas 'Michelin' e tudo, num lugarejo afastado do bulício da cidade: a noite estava quente, ficámos no páteo, ao jeito bem italiano, entre vinhas (só faltava o som do violino).
Pelo movimento da clientela e o tipo de relação e conversa que mantêm com os empregados, dá para perceber que são praticamente todos 'habitués' (não como nós, que fomos ali parar com um cupão de desconto tirado na internet). Mas não deixa de ser curiosos e inaudito, pois possibilitou uma viagem a um mundo que é realmente outro, diferente, muito diferente do nosso.
Começamos pelo parque automóvel... os mais belos modelos topo de gama... mas é apanágio da casa chegar e entregar a bela da chavinha para o empregado arrumar o carro...
As mesas são próximas umas das outras, por isso facilmente se escutam os solilóquios (mesmo não querendo...); entre um prato e outro, bonitos, bem decorados, e até saborosos, género 'nouvelle cuisine', diga-se (mais para ver do que para encher!) o som miudinho das vozes que nos circundam vão chegando até nós e propiciando os comentários adequados ;)
Uma mesa de cinco, seis homens, todos de meia idade, bem parecidos, sim senhor (a lembrar a máfia da bela Itália) celebra o aniversário de um deles; o empregado traz o champagne, caríssimo, diga-se (dá para imaginar apenas pelo aspecto e o rótulo dourado da garrafa); tardam em chegar, mas cada vez que um convidado se aproxima cumprem o ritual de se levantarem todos, para os cumprimentos, e o devido beija-mão ao aniversariante...
Outra mais ao lado, com duas senhoras e um senhor a roçar facilmente a terceira idade, comem sem levantar os olhos do prato, falam como se de pequeninos insectos se tratassem, que mal se ouvem; mas fazem a coisa rápido e vão logo embora, que se faz tarde...
Mesmo atrás de nós, duas donzelas (que gostariam de o ser), com vestidos de nome, mas vulgares, muito vulgares, pela combinação dos acessórios e a fazer aparecer a bela da lingerie preta sob a vestimenta eleita para agradar o sexo oposto. Sentam-se, estão sozinhas, mas ocupam uma mesa de quatro (assim estão mais à-vontade para espalhar as malas e malinhas, os casacos e as cigarreiras, mais as chaves do carro e os telemóveis); um dos empregados faz as honras da casa e acolhe as damas, com mil perguntar sobre as suas férias milionárias. Falam dos filhos com cargos de sucesso espalhados pelo mundo, das viagens acabadas de fazer entre praias paradisíacas e barcos de luxo, contentes com o seu regresso à vivenda milionária que mantêm por 'terras helvéticas'...
E assim por diante; quase esqueço a sobremesa... mas não, venha daí o belo do tiramisú e do bolo de chocolate, que a nossa vida, bem mais simple, sem lenha por onde arder neste tipo de fogueira, faz-se de pequenos prazeres como este: o da boa mesa, e da língua viperina (bem ao jeito feminino!) ;)
Bjs

Há dança no parque

Domingo, 18h00, Parque Bertrand....
O dia avizinhava-se frio e encoberto, mas o sol, teimoso, fez questão de aparecer e aquecer. Centenas de rostos felizes dirigem-se ao parque, para aproveitar a luz, que amanhã nunca se sabe... São miúdos, graúdos, de todas as cores e feitios, t-shirts multinacionais passeiam-se entre as verdejantes árvores do caminho que culmina numa espécie de piscina para a criançada.
Entre risos, bicicletas, bolas e baloiços, a brisa suave traz o som de Astor Piazzolla até mim, evocando recordações de salões de baile da antiga Argentina. Fecho os olhos por momentos e deixo-me invadir por aquela viagem de sensações, misto de curiosidade e nostalgia de outros tempos (já tinha ouvido dizer que aos Domingos à tarde o 'clube de reformados' da zona fazia encontros de dança no parque, e até acho que já tinha visto uma vez, mas agora era diferente, talvez pelo som inconfundível do tango erudito).
Deixo-me levar, não resisto, e vou até lá; espreito de mansinho e encontro um grupo de gente de todas as idades, com uma mesma motivação, rostos colados, alguns de olhos fechados, nitidamente praticantes e nada profissionais, mas com o sentir e o gozo expresso naqueles sorrisos que se esboçam; as senhoras, sem dúvida, lideram, mas deixam-se levar (se bem que muitas vezes fora do ritmo), pois no tango é mesmo assim, é o homem quem lidera. Os trajes divergem de par para par, mas os saltos altos que afinam a silhueta são uma dominante, as saias pelo joelho e os cabelos apanhados conferem a sensualidade necessária ao salão de baile improvisado.
Sorrio, parece-me bem a ideia: bailar, sim, ainda mais no parque, ao ar livre, entre mil olhos curiosos que a ninguém importam, pois entregues ao misticismo daquele tango improvisado, uns olhares por acaso até conferem mais ambiente.
Percorro de soslaio aqueles corpos que se tocam, as pernas que se entrelaçam, as mãos suadas que vagueiam pela pista improvisada e surgem-me mil ideias, e outras tantas interrogações, sobre as motivações que levam aquelas pessoas, tão singelas, a passearem as suas almas pelas notas musicais, assim, sem mais nem menos, pelo parque...
Argentina, Buenos Aires, ao som de Piazzolla ou de outro qualquer, veio até ao Parque, e foi bonito de ver, de ouvir, e certamente de sentir ;)
Bjs